por Rossana Pena
Sim, começar com o ser mãe em período integral pois de fato assim é, pois trabalhamos fora apenas quando nos sobra tempo livre, mesmo que para isso precisamos fazer daquele horário real de bater o ponto na hora certa e de sair na hora certa, prestar contas, dar satisfação ao emprego/empresa mesmo que seja necessário. Será que estamos totalmente entregues ao trabalho ou apenas quando conseguimos deixar um tempo livre a ele, quando nosso outro “trabalho” de período integral nos libera mental e espiritualmente para outras ocupações?
Desde que soube que minha gestação estava presente em minha vida, este dilema do trabalhar fora de casa esteve presente em meus pensamentos. Me desliguei do trabalho com oito meses de gestação pois por coincidência entrei em férias aos oito meses de gestação. Fui para minha cidade natal no intuito de lá dar continuidade a minha tão sonhada hora de parto natural. Meu sonho foi interrompido quando com 40 semanas de gestação meu médico quis marcar minha cesárea pois afirmou que os batimentos já estavam mais enfraquecidos e que enfim, havia chegado a hora. Que eu não deveria passar de quarenta semanas (apesar da ultima informação estar presente em meu coração pois sempre tive muito medo de ultrapassar as 40 semanas).
E não tive nenhuma instrução e apoio para tal. Tanto meu marido quanto eu apenas tínhamos informações de que não era bom. E nosso médico por sua vez concordava com a mesma ideia (nem se acredita que apenas três anos depois tantas informações viriam passar em nossas mãos para provar por A mais B o quanto estávamos enganados, o quanto apenas nos faltou o conhecimento). Enfim, tive uma cesárea não planejada, não esperada… Fiz yoga, caminhadas e tudo o que mais era dito para que minha filha viesse de forma natural. Tinha tanto medo de que ela precisasse vir de forma cirúrgica. Mas assim foi. Em dez minutos ela estava em meu colo e logo retirada… e assim vai como tenho certeza não ser novidade para ninguém o desfecho do nosso bebê após nascer de forma cirúrgica.
Amamentei logo de cara… sem muita dor, sem muito sofrimento. Foi fácil. Por incrível que pareça e o que contradiz quase todas as mães. Tinha tanta vontade, desejava tanto e posso dizer até que o contato da amamentação foi mais forte que o nascimento em si. Éramos nós duas. Tive muita dor no pós-parto, quase não conseguia ficar ereta na primeira quinzena. Lembro de um dos meus banhos com minha mãe sempre ao meu lado, me dizendo com lágrimas em seus olhos da mesma forma em que as lágrimas estavam nos meus que um dia entenderíamos o porquê desse sofrimento com a chegada do nosso bebê, seja de forma emocional, espiritual ou física, pois o pós-parto nos remete a tantos sentimentos que são indescritíveis. Apenas vivê-lo pode trazer a compreensão do que é relatado por tantas mães, os medos daquele serzinho tão dependente dos seus cuidados.
Com 40 dias de nascida voltei para minha cidade e com mais 20 dias já estava trabalhando. Tive 4 meses de licença, mas como também sou autônoma precisava recomeçar as atividades. Dava aulas em casa com ela sempre no sling e de peito aberto para livre demanda. Entendia e explicava para quem não entendesse o que estava acontecendo. Livre demanda mesmo. Minha bezerra era no máximo de duas em duas horas (não contava mais depois do primeiro mês). Era sempre irregular, quando dava na telha mamava. Com 4 meses retornei para a escola e comecei a alimentá-la com outros alimentos (longeee do que eu imaginava para ela, mas a necessidade faz muitas de nós mães não cumprirem com o combinado da barriga).
Minha filha quase não aceitava nada que não fosse o peito. Nem mesmo tirando para colocar na mamadeira. Mas também não sentia fome. Nestes momentos é que percebia que todas aquelas mamadas eram muito mais que apenas alimento. E então começamos nossa briga – trabalho período integral versus trabalho em tempo livre. No primeiro ano fiz redução de carga-horária para poder desfrutar mais da minha pequena. Sabia que o que importava era o qualitativo e não o quantitativo que não poderia dar.
Minha filha nunca foi de querer estar com outras pessoas que não eu. Claro, sempre curtiu os avós, o pai e amiguinhos, mas se tivesse que escolher, preferia estar sempre comigo. Mas ao mesmo tempo, eu quanto mãe, quanto mulher, precisava de um tempo para mim e muitas vezes me culpava por isso. Era um misto de querer fazer e de não querer largá-la. Queria estar com ela tanto quanto ela comigo. Sentíamos necessidade uma da outra em tempo em que podíamos ficar juntas fisicamente.
Sei que ser mãe é ter culpa. Culpa de não poder estar sempre que queria, de chegar em casa as vezes e ver a babá contando uma história e pensar:”Ei! Tem alguma coisa fora da ordem aqui!”. De ver a brincadeira montando barracas com cobertores e pensar: “Não era para eu estar montando com ela? Não era o que eu desejava quando quis ter uma filha?”. E a luta entre a profissão mãe e a profissão professora entraram em guerra.
Minha filha hoje tem três anos. Faltando dois meses para 4 anos. Pode crer que sempre fui adepta de criança dormir na cama dos pais até querer ir para sua. E então, há três semanas compramos uma cama com escorregador (linda e claro, divertidíssima!!). Pois até então, ela dormia no chão em seu colchão e quando queria ia para nossa cama e assim íamos.
Começamos a dormir em sua cama… eu com ela até a hora que pegasse no sono. Tudo muito em paz. Tentando seguir algumas informações Montessorianas. Descobri que esta também é uma tarefa minha, é um momento em que ficamos juntas. Que trocamos carinho em silêncio. Que sentimos a nós duas.
Foi quando a três noites atrás começamos o ritual, pijama, cama, mama e música (sim, ela gosta de cantar antes de dormir). Cantei a minha preferida (Rosa – Gonzaguinha) que por sinal é enorme…. então normalmente ao fim da música ela já esta dormindo, ela senta na cama e diz: “mamãe, queria falar uma coisa com você (em tom melancólico). Eu disse prontamente que ela poderia falar (tento trabalhar sempre com ela a confiança de pais e filhos), então ela começou…..”sabe mamãe, quando eu acordo e você não está em casa eu sinto falta de você, eu choro quando a Cláudia vem me pegar na cama (Cláudia a babá) mas não é por que eu não gosto dela, é porque eu queria que fosse você, hoje pela manhã eu pedi pra ela o tablet (o que eu particularmente não gosto, mas ela curte uns vídeos, então deixei ela assistir) e comecei a ver os meus vídeos, mas sabe porque mamãe? porque eu estava triste porque você não estava em casa. Você nunca está quando eu acordo.
Nesse momento eu já estava aos prantos. Lembrei da canção…. tempo, tempo, tempo, faço um acordo contigo….. Também pensei que ela tem TRÊS ANOS! Meu Deus, TRÊS anos…. Então comecei a tentar ver a melhor forma de encarar aquilo. Sabe o que mais doía? O olhar… a expressão. Já conversei com outras mães que me disseram: NÃO DÊ ENFASE PARA ISSO, SE NÃO ELA VAI ACHAR QUE ESSE TIPO DE SENTIMENTO É IMPORTANTE E VOCÊ PRECISA TRABALHAR! – Para um pouquinho, vamos voltar a história, porque cada mãe é uma e essa sim, uma grande mãe que admiro muito, mas não sai para trabalhar, talvez não compreenda.
Eu sabia que não era manha. Eu conheço minha filha. Então expliquei isso, que precisava trabalhar para ter as coisas que ela gosta e bláblá. Que trabalhava perto, que se ela quisesse podia me ligar e de repente nem eu acreditava no que estava falando. Ela chorava copiosamente quando eu falava…e eu mais ainda. Nos abraçamos. Por fim eu disse: “Sabe quando você gosta muito de ir na casa de um coleguinha seu? Da mesma forma a mamãe gosta muito de ir no trabalho. Tem vezes que você prefere estar com seus colegas do que com a mamãe não é? (ela respondia sim). Da mesma forma a mamãe gosta de trabalhar. Ela pediu por fim para eu estar lá no outro dia pela manhã. Assim eu fiz (pois mal sabia ela que já era dia da minha manhã sem aulas, dia da semana em que reservo a ela, além do final de semana, mas ela não precisa saber disso… ainda).
Pensei que foi a forma de ela compreender que trabalhar tem que ser um prazer, tem que ser uma coisa que amamos muito além da necessidade.
Mas será que eu compreendo o tempo que perco ao lado dela?
Rossana Pena – mãe de Lis em período integral. Professora nas horas (pensamentos) vagas.
Texto tocante! Quiçá as crianças percebam mais de tempo livre, trabalho e ócio do que os próprios trabalhadores. Nós é que desaprendemos o valor que o tempo tem para aquilo a que chamamos vida.
Verdade Anne, nós é que desaprendemos. Ótima reflexão. Beijão!